sexta-feira, 29 de maio de 2020

Onde foi que ele nasceu? Debaixo duma ponte. O que ele merece?

Vi um garoto
Chapéu pequeno
Cabelo grande crespo
Corpo de criança
(Pipocas a venda)
Não reparei seus pés
Av. Lotada
Ônibus e carros e motos
Pessoas
Desconfiadas
E o menino...
Já havia fumado péda
Olhos arregalados
Assustado
Parecia ver bicho
Menino sujo com dentes careados
Andava andava andava
Como quem procura dinheiro
No chão
Quer mais daquilo
Quer esquecer
Dormir talvez, comer
Brincar.

Penso, será que é uma escolha viver entre as pessoas e ser olhado com desdém? Sem familia? Emprego, roupas novas? Um cachorro, uma gata? Será mesmo?

Vieram tantas perguntas...
E o que fiz?
Nada.

Tô postando esse texto pra dizer que não basta palavras bonitas escritas e elaboradas pra uma parcela da sociedade racional intelectualizada de causas periféricas, nada basta...
O menino continua a perambular pela cidade, indigente.

*Encontrei nas lembranças. Escrito em 30 de maio de 2017

terça-feira, 26 de maio de 2020

No embalo

Ouvido de tanto ouvir uma voz que fora esquecida. O peito balança numa canção qualquer a lembrança que parece viva. Ardendo sem acalento, o beiço logo se enche de mágoa e correndo nenhuma lágrima vem.

Quero mandar buscar de longe, onde será que anda a minha paz?
Eu que já amei deveras muita gente,
encontro de repente a palavra algoz no meio das coisas belas.

Não tenho casa pra chamar de minha, muito menos alguma coisa qualquer. Me perco e dá no mesmo me achar.
Toda noite é assim:

Deito


quarta-feira, 20 de maio de 2020

Conto depois

Pela manhã o sol despontou bonito e forte, então lembrei do quanto nossa cor combina com a luz, luz esta que não se apaga com a sombra da peleja para sobreviver.

- Tudo mudou de repente, né?
- Sim...
- Tu já tentou respirar debaixo d'água?
- Já...
- Conseguiu?
- Um pouco...
- Nossa, teus olhos são tão aguados.
- Acho que fui um peixe na vida passada.

(Risos)


Salmos 91:7-9

Os olhos são rasos como rio secando
Hoje não teve sonho.
Planos foram adiados. 
- O corpo cansa, sabe... 
É difícil ter esperança -

Estão caindo por dia mais de cem.
Não dá tempo de chorar, e as despedidas são meras ocasiões.
Os covardes estão andando com seus dentes a mostra, salivando sangue e legitimando cólera. A justificativa argumentada de que a violência é um lugar confortável...

- E quem dará conforto a mais uma mãe?

Disseram que eu não seria atingida.
E agora me sinto desumanizada, frígida; encalcando a tristeza e sorrindo das coisas breves.
Me fizeram crê, afinal tinha que crê. É o que resta.

"Porque tu, ó Senhor, és o meu refúgio"


terça-feira, 19 de maio de 2020

Violenta

Esse tipo de naturalização da violência acomete traumas.

A lágrima escorre corroendo a face e
expondo ao instante noturno, uma tristeza sem comoção prévia.
Me vejo nos contextos noticiados diariamente.

Toco meu corpo...
Essa fragilidade existente que muita gente não se importa, por quê?
Não aprendi a chorar por falta de brinquedos. A gente sempre soube inventar bonecos de areia preta, barquinho de papel que logo se desfaziam nas competições aquáticas nas poças de lama...
Tínhamos alegria mesmo sem saber o que nos faltava.

Esse tipo de naturalização da violência acomete traumas.

Aqui, a criança desde cedo sabe o que é punição e muitas vezes a mãe chorava porque não sabia educar. Eu via!
Quando batia dizia "é melhor apanhar em casa do que na rua".
Você apanha se pegar moeda escondida. Se falar mais alto leva mãozada nos beiço. Escola chamou a mãe "vai levar uma surra se for reclamação sua"
Brigou na escola, iih...
Ficou brincando até tarde na rua e a roupa tá toda suja? Já era!

Esse tipo de naturalização da da violência acomete traumas.

A rua não ensina: um baque da polícia é humilhação para jovens pretos. Correr em qualquer hora do dia é um susto pra tia que chama a polícia dizendo que tem neguim de olhou na sua casa.
Andar com celular na calça? Nem pensar! Caso você queira fazer uma ligação (ex. Dentro do ônibus) a galera vai pirar.
Porra!



sexta-feira, 8 de maio de 2020

Andar pela casa

Revisitar memórias
Andar no meio do que já foi
Sentir de novo um pouco
Não ser a de antes

Meu avô acorda pontualmente
Às 2h da madrugada pensando ser
de manhã. Um assobio baixinho após
o banho corta o silêncio rapidamente.
Uma prece de gratidão e ele volta a dormir
E já é noite outra vez!

Quando na mistura entre tempo e caminho
existe uma proposta de narrativa, o cotidiano
torna-se menos vazio e monótono, ganhando
um adorno delicado em que
transmutam, refletem e se juntam ao que já
é considerável permanente na vida:
Admiração simples do nascimento das coisas agora!


Quando durmo

Aprendendo a gostar do efêmero  tanto quanto não me saciar no tempo  das coisas findas rapidamente.  E então me deparo, as vezes tarde demai...